Capitulo IV
“Nenhuma alma entre vós comerá sangue.”
Livro de Levitícos, 17:12
O sangue derramado pelos gigantes clamava da terra até o céu, e os quatro arcanjos acusaram os anjos caídos e seus filhos diante de Deus, pelo que ele deu-lhes uma série de ordens. Uriel foi enviado a Noé para anunciar que a terra seria destruída por um dilúvio, e ensiná-lo como salvar sua própria vida. A Rafael foi dito que acorrentasse o anjo caído Azazel, arremessasse-o num poço com pedras pontiagudas e perfurantes no deserto de Dudael, e cobrisse-o de trevas, para que assim permanecesse até o grande dia do julgamento, quando seria jogado num poço ardente do inferno, e a terra seria curada da corrupção que ele havia intentado contra ela. Gabriel foi encarregado de agir contra os ilegítimos e réprobos, os filhos que os anjos haviam gerado com as filhas dos homens, precipitando-os em conflitos mortais uns contra os outros. A descendência de Shemhazai foi colocada nas mãos de Miguel, que levou-os em primeiro lugar a testemunharem a morte de seus filhos em combate sangrento uns contra os outros, e em seguida amarrou-os e fixou-os debaixo das montanhas da terra. Onde permanecerão por setenta gerações, até o dia do julgamento, quando serão carregados dali ao poço ardente do inferno.
Foi necessária grande sabedoria na construção da arca, que deveria ter espaço para abrigar todos os seres da terra, até mesmo os espíritos. A arca foi completada de acordo com as instruções contidas no livro de Raziel. A próxima tarefa de Noé foi reunir os animais.
Ele teria de levar consigo nada menos do que trinta e duas espécies de pássaros e trezentas e sessenta e cinco espécies de répteis. Deus, no entanto, ordenou aos animais que se dirigissem até a arca, e sem que Noé tivesse de mover um dedo todos eles agruparam-se ali.
Na verdade os animais compareceram em número maior do que seria necessário, pelo que Deus instruiu Noé a sentar-se junto à porta da arca e prestar atenção em quais animais deitavam e quais ficavam em pé assim que chegavam à entrada. Os primeiros pertenceriam à arca, porém não esses últimos.
Assumindo seu posto como lhe havia sido ordenado, Noé ficou observando uma leoa acompanhada de seus dois filhotes. Os três animais estavam deitados, mas os dois filhotes começaram a brigar com a mãe, que logo levantou-se e ficou em pé ao lado deles – e Noé levou os filhotes para dentro da arca.
Os animais selvagens, os animais domésticos e os pássaros que não foram aceitos ficaram em pé ao redor da arca por um total de sete dias, porque o ajuntamento dos animais ocorreu uma semana antes que o dilúvio descesse. No dia em que eles chegaram à arca o sol escureceu, as fundações da terra tremeram, luziram relâmpagos e soou trovões como nunca havia acontecido antes, porém ainda assim os pecadores não se arrependeram: nada mudaram na sua conduta perversa durante aqueles sete últimos dias.
Quando o dilúvio finalmente desabou, setecentos mil dos filhos dos homens reuniram-se ao redor da arca e imploraram pela proteção de Noé.
Em voz muito alta ele respondeu:
– Não eram vocês que viviam em rebelião contra Deus, dizendo “Deus não existe”? Ele então trouxe ruína sobre vocês, a fim de aniquilá-los e destruí-los da face da terra. Não tenho estado profetizando essas coisas entre vocês ao longo destes cento e vinte anos, sem que vocês desses ouvidos à voz de Deus? E agora vocês querem ficar vivos!
– Que seja! – gritaram os pecadores. – Estamos dispostos a voltarmos para Deus, desde que você abra a porta da sua arca e nos receba de modo a que vivamos ao invés de morrer.
Noé respondeu:
– Isso vocês fazem agora, quando é tão urgente a sua necessidade. Porque não voltaram para Deus nos duzentos e vinte anos do período de graça em que Deus colocou-me entre vocês? Agora vocês vêm e falam assim, mas é porque suas vidas correm perigo. Deus portanto não ouvirá nem lhes dará ouvidos; vocês nada conseguirão.
A multidão de pecadores tentou então entrar na arca à força, mas os animais selvagens que vigiavam ao redor da arca lançaram-se sobre eles. Muitos foram mortos, mas alguns escaparam apenas para encontrarem a morte nas águas do dilúvio.
A água sozinha não foi capaz de ocasionar-lhes a morte, pois eram gigantes em força e estatura. Quando Noé os ameaçava com o castigo divino eles costumavam responder:
– Se as águas do dilúvio vierem de cima, nunca nos chegarão à altura do pescoço; se vierem de baixo, as solas dos nossos pés são grandes o bastante para tampar as nascentes.
Porém Deus fez com que cada gota passasse pelo Geena antes de cair na terra, de modo que o calor da chuva queimava a pele dos pecadores – punição apropriada para os seus crimes. Da mesma forma que foram aquecidos por seus desejos sensuais, que os inflamavam a excessos de imoralidade, foram castigados com água aquecida.
Nem mesmo na hora da morte os pecadores conseguiram suprimir seus instintos perversos. Quando a água começou a jorrar das nascentes eles começaram a atirar seus filhinhos dentro delas, na tentativa de estancar o dilúvio.
Foi pela graça de Deus, e não por seus próprios méritos, que Noé encontrou na arca refúgio para a força devastadora das águas. Embora tenha se mostrado mais íntegro do que seus contemporâneos, não era ainda sim digno das maravilhas realizadas em seu favor. Noé tinha fé tão pequena que não entrou na arca até que a água lhe chegava à altura dos joelhos. Escaparam o perigo com ele sua piedosa esposa Naamá, filha de Enos, seus três filhos e suas respectivas esposas.
Noé não casou até completar quatrocentos e noventa e oito anos de idade; o Senhor então disse a ele que tomasse uma esposa para si. Sua intenção tinha sido não colocar filhos no mundo, sabendo que morreriam todos no dilúvio, pelo que teve apenas três filhos, nascidos não muito antes que o dilúvio viesse.
Deus lhe deu um número pequeno de filhos, a fim de poupá-lo da necessidade de construir uma arca grande demais caso eles se mostrasse piedosos. E poupá-lo também, caso se mostrassem depravados como os demais da sua geração, da tristeza de testemunhar a sua destruição.
Da mesma forma que Noé e sua família foram os únicos a não compartilharem do caráter corrompido da sua época, os animais acolhidos na arca haviam também vivido uma vida natural. Pois naquela época os animais eram tão imorais quanto os homens: o cão unia-se ao lobo, o galo ao pavão, e muitos outros viviam sem qualquer pureza sexual. Os que se salvaram foram os que se mantiveram imaculados.
Durante o ano do dilúvio houve mudanças nas esferas celestiais. Enquanto o dilúvio durou o sol e a lua não produziram luz, razão pela qual Noé recebeu seu nome, “O do descanso”, pois em seu período de vida o sol e a lua descansaram. A arca era iluminada por uma pedra preciosa, cuja luz era mais intensa durante a noite do que durante o dia, possibilitando assim que Noé distinguisse o dia da noite.
“Nenhuma alma entre vós comerá sangue.”
Livro de Levitícos, 17:12
O sangue derramado pelos gigantes clamava da terra até o céu, e os quatro arcanjos acusaram os anjos caídos e seus filhos diante de Deus, pelo que ele deu-lhes uma série de ordens. Uriel foi enviado a Noé para anunciar que a terra seria destruída por um dilúvio, e ensiná-lo como salvar sua própria vida. A Rafael foi dito que acorrentasse o anjo caído Azazel, arremessasse-o num poço com pedras pontiagudas e perfurantes no deserto de Dudael, e cobrisse-o de trevas, para que assim permanecesse até o grande dia do julgamento, quando seria jogado num poço ardente do inferno, e a terra seria curada da corrupção que ele havia intentado contra ela. Gabriel foi encarregado de agir contra os ilegítimos e réprobos, os filhos que os anjos haviam gerado com as filhas dos homens, precipitando-os em conflitos mortais uns contra os outros. A descendência de Shemhazai foi colocada nas mãos de Miguel, que levou-os em primeiro lugar a testemunharem a morte de seus filhos em combate sangrento uns contra os outros, e em seguida amarrou-os e fixou-os debaixo das montanhas da terra. Onde permanecerão por setenta gerações, até o dia do julgamento, quando serão carregados dali ao poço ardente do inferno.
Foi necessária grande sabedoria na construção da arca, que deveria ter espaço para abrigar todos os seres da terra, até mesmo os espíritos. A arca foi completada de acordo com as instruções contidas no livro de Raziel. A próxima tarefa de Noé foi reunir os animais.
Ele teria de levar consigo nada menos do que trinta e duas espécies de pássaros e trezentas e sessenta e cinco espécies de répteis. Deus, no entanto, ordenou aos animais que se dirigissem até a arca, e sem que Noé tivesse de mover um dedo todos eles agruparam-se ali.
Na verdade os animais compareceram em número maior do que seria necessário, pelo que Deus instruiu Noé a sentar-se junto à porta da arca e prestar atenção em quais animais deitavam e quais ficavam em pé assim que chegavam à entrada. Os primeiros pertenceriam à arca, porém não esses últimos.
Assumindo seu posto como lhe havia sido ordenado, Noé ficou observando uma leoa acompanhada de seus dois filhotes. Os três animais estavam deitados, mas os dois filhotes começaram a brigar com a mãe, que logo levantou-se e ficou em pé ao lado deles – e Noé levou os filhotes para dentro da arca.
Os animais selvagens, os animais domésticos e os pássaros que não foram aceitos ficaram em pé ao redor da arca por um total de sete dias, porque o ajuntamento dos animais ocorreu uma semana antes que o dilúvio descesse. No dia em que eles chegaram à arca o sol escureceu, as fundações da terra tremeram, luziram relâmpagos e soou trovões como nunca havia acontecido antes, porém ainda assim os pecadores não se arrependeram: nada mudaram na sua conduta perversa durante aqueles sete últimos dias.
Quando o dilúvio finalmente desabou, setecentos mil dos filhos dos homens reuniram-se ao redor da arca e imploraram pela proteção de Noé.
Em voz muito alta ele respondeu:
– Não eram vocês que viviam em rebelião contra Deus, dizendo “Deus não existe”? Ele então trouxe ruína sobre vocês, a fim de aniquilá-los e destruí-los da face da terra. Não tenho estado profetizando essas coisas entre vocês ao longo destes cento e vinte anos, sem que vocês desses ouvidos à voz de Deus? E agora vocês querem ficar vivos!
– Que seja! – gritaram os pecadores. – Estamos dispostos a voltarmos para Deus, desde que você abra a porta da sua arca e nos receba de modo a que vivamos ao invés de morrer.
Noé respondeu:
– Isso vocês fazem agora, quando é tão urgente a sua necessidade. Porque não voltaram para Deus nos duzentos e vinte anos do período de graça em que Deus colocou-me entre vocês? Agora vocês vêm e falam assim, mas é porque suas vidas correm perigo. Deus portanto não ouvirá nem lhes dará ouvidos; vocês nada conseguirão.
A multidão de pecadores tentou então entrar na arca à força, mas os animais selvagens que vigiavam ao redor da arca lançaram-se sobre eles. Muitos foram mortos, mas alguns escaparam apenas para encontrarem a morte nas águas do dilúvio.
A água sozinha não foi capaz de ocasionar-lhes a morte, pois eram gigantes em força e estatura. Quando Noé os ameaçava com o castigo divino eles costumavam responder:
– Se as águas do dilúvio vierem de cima, nunca nos chegarão à altura do pescoço; se vierem de baixo, as solas dos nossos pés são grandes o bastante para tampar as nascentes.
Porém Deus fez com que cada gota passasse pelo Geena antes de cair na terra, de modo que o calor da chuva queimava a pele dos pecadores – punição apropriada para os seus crimes. Da mesma forma que foram aquecidos por seus desejos sensuais, que os inflamavam a excessos de imoralidade, foram castigados com água aquecida.
Nem mesmo na hora da morte os pecadores conseguiram suprimir seus instintos perversos. Quando a água começou a jorrar das nascentes eles começaram a atirar seus filhinhos dentro delas, na tentativa de estancar o dilúvio.
Foi pela graça de Deus, e não por seus próprios méritos, que Noé encontrou na arca refúgio para a força devastadora das águas. Embora tenha se mostrado mais íntegro do que seus contemporâneos, não era ainda sim digno das maravilhas realizadas em seu favor. Noé tinha fé tão pequena que não entrou na arca até que a água lhe chegava à altura dos joelhos. Escaparam o perigo com ele sua piedosa esposa Naamá, filha de Enos, seus três filhos e suas respectivas esposas.
Noé não casou até completar quatrocentos e noventa e oito anos de idade; o Senhor então disse a ele que tomasse uma esposa para si. Sua intenção tinha sido não colocar filhos no mundo, sabendo que morreriam todos no dilúvio, pelo que teve apenas três filhos, nascidos não muito antes que o dilúvio viesse.
Deus lhe deu um número pequeno de filhos, a fim de poupá-lo da necessidade de construir uma arca grande demais caso eles se mostrasse piedosos. E poupá-lo também, caso se mostrassem depravados como os demais da sua geração, da tristeza de testemunhar a sua destruição.
Da mesma forma que Noé e sua família foram os únicos a não compartilharem do caráter corrompido da sua época, os animais acolhidos na arca haviam também vivido uma vida natural. Pois naquela época os animais eram tão imorais quanto os homens: o cão unia-se ao lobo, o galo ao pavão, e muitos outros viviam sem qualquer pureza sexual. Os que se salvaram foram os que se mantiveram imaculados.
Durante o ano do dilúvio houve mudanças nas esferas celestiais. Enquanto o dilúvio durou o sol e a lua não produziram luz, razão pela qual Noé recebeu seu nome, “O do descanso”, pois em seu período de vida o sol e a lua descansaram. A arca era iluminada por uma pedra preciosa, cuja luz era mais intensa durante a noite do que durante o dia, possibilitando assim que Noé distinguisse o dia da noite.